Posse também se partilha: A possibilidade da partilha de imóveis não escriturados em inventários
- Cleves Felipe Matuczak Lopes
- 25 de mai.
- 3 min de leitura

INTRODUÇÃO
É comum, em muitos inventários, surgir um impasse quanto a bens que o falecido utilizava, explorava economicamente, ou possuía há décadas — mas que não estavam devidamente escriturados em seu nome. São lotes, chácaras, terrenos ou até grandes áreas rurais cuja posse era exercida com exclusividade, mas sem regularização formal.
Durante muito tempo, o entendimento predominante nos tribunais era rígido: sem escritura, sem partilha. Porém, esse paradigma começou a ser superado. E o recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.984.847/MG) representa um divisor de águas nessa matéria.
A DECISÃO DO STJ: UM MARCO NA TUTELA DA POSSE
No caso analisado, as herdeiras buscavam incluir no inventário direitos possessórios sobre 92 hectares de terras utilizadas pelo falecido. O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais rejeitaram o pedido, sob o argumento de que apenas bens com registro formal poderiam ser partilhados.
O STJ reformou essa decisão. A ministra Nancy Andrighi reconheceu que:
“Não apenas de propriedades formalmente constituídas é composto o acervo partilhável [...] existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por vícios de diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados.”
Em outras palavras, a posse sobre um imóvel, quando exercida de boa-fé e com valor econômico evidente, pode — e deve — ser partilhada entre os herdeiros.
O QUE ISSO SIGNIFICA NA PRÁTICA?
Imagine três situações bastante comuns:
Um pai morre deixando um sítio onde morou por 30 anos, mas nunca formalizou a escritura.
Uma mãe falece deixando um lote urbano comprado por contrato de gaveta, mas sem registro.
Alguém construiu e ocupou um imóvel há décadas, com reconhecimento social da posse, mas sem regularização no cartório.
Em todos esses casos, antes da decisão do STJ, muitos advogados recomendavam excluir esses bens do inventário — ou mesmo iniciar longas ações de usucapião antes de qualquer partilha.
Agora, o entendimento muda o jogo: é possível partilhar esses direitos possessórios diretamente no inventário, resolvendo de imediato a divisão entre os herdeiros, e deixando a regularização formal para uma etapa futura.
POSSE E PROPRIEDADE: DIREITOS AUTÔNOMOS
Um ponto central do julgado é o reconhecimento da autonomia entre posse e propriedade. São conceitos jurídicos distintos. A posse, ainda que não registrada, é protegida pelo ordenamento jurídico e possui valor patrimonial.
Tanto é assim que já é pacífico o entendimento de que:
posse pode ser penhorada em execuções;
posse dá direito à indenização em desapropriações;
posse pode ser transmitida aos herdeiros.
O STJ apenas reforçou que essa lógica também vale para o inventário.
CONDIÇÕES E LIMITES
Importante destacar: a partilha da posse não é automática. O juiz do inventário deverá avaliar:
se há efetiva posse exercida pelo falecido;
se essa posse tem valor econômico;
se não há má-fé (ex.: ocupação recente, litigiosa ou clandestina).
Ou seja, é possível, mas não incondicional. A presença de documentos, testemunhas ou histórico de ocupação será fundamental para sustentar o pedido.
CONCLUSÃO: UM NOVO OLHAR PARA HERANÇAS RURAIS E URBANAS
A decisão do STJ traz mais justiça e realismo às situações sucessórias. Reconhece a realidade de milhares de famílias brasileiras, especialmente em áreas rurais e periferias urbanas, onde a posse é uma forma legítima de constituição de patrimônio.
Se você é herdeiro de bens não escriturados, ou está conduzindo um inventário com essa situação, não aceite de imediato a exclusão desses bens da partilha. Pode haver solução mais simples e eficaz — e ela pode começar com uma orientação jurídica qualificada.




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